Estamos vivenciando uma dramática crise em todas escalas territoriais que nos turva a perspectiva de futuro. Não estamos aqui falando apenas de colapsos financeiros e econômicos, mas de emergências interligadas – como afirma o Relatório IPBES-IPCC de 10 de junho último (DOI:10.5281/zenodo.4782538), relacionadas à saúde, à perda de biodiversidade e à crise climática (Artaxo, 2020). Em meio a esse cenário de variabilidades e inseguranças, as formas de exposição e enfrentamento das ameaças expõem a face mais sombria das desigualdades sociais, econômicas e territoriais. A pandemia de COVID-19 escancara dolorosamente a vulnerabilidade dos que não têm seguro-saúde, a menor possibilidade de buscar distanciamento social ou home office e, em grande parcela da população brasileira, sequer acesso à água para “lavar bem as mãos” (https://aguaemoradia.pesquisa.ufabc.edu.br/). Quem são e serão os mais afetados pela crise do clima nos momentos em que teremos que conviver com eventos extremos de calor e má circulação de poluentes, de chuvas intensas (Travassos et al., 2020) e períodos de escassez hídrica, como a que parece já estar nos batendo na porta na Macrometrópole Paulista para o próximo verão. 

O professor Flávio Villaça escreveu em 2015 que “nenhum ser humano pode viver sem se apoiar sobre um pedaço de chão, de território”. Parece algo trivial; entretanto, a terra se transformou em produto do mercado e objeto de conflito. O território é conflituoso se é de interesse; caso contrário, ele sobra. É nas sobras das periferias, áreas de encostas íngremes e beiras de córregos que vivem ou sobrevivem muitos brasileiros. São esses territórios inseguros e insalubres que serão os mais castigados pelas ondas de crises que nos aguardam.

Esse pano de fundo é essencial para compreender para quem e para onde as políticas públicas podem e devem ser voltadas, apoiadas por iniciativas diversas. É nesse lugar que se encaixa o trabalho do SIADES, expresso por meio de um de seus objetivos “apoiar o planejamento e a gestão ambiental de cidades e territórios por meio de estudos e projetos que aliam conhecimento técnico ao engajamento social”.

Um dos focos para busca de soluções sustentáveis e de enfrentamento passa pela construção de territórios mais seguros e menos desiguais. As crises vão perdurar, a pergunta que fica é: quais caminhos vamos tomar? Esperamos que seja aquele que coloque a melhoria das condições de vida dos mais vulneráveis  em primeiro lugar.

Referências
Artaxo, P. (2020). As três emergências que nossa sociedade enfrenta: saúde, biodiversidade e mudanças climáticas. Estudos Avançados, 34(100), 53-66. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.34100.005

Travassos et al. (2020). Why do extreme events still kill in the São Paulo Macro Metropolis Region? Chronicle of a death foretold in the global south, International Journal of Urban Sustainable Development. https://doi.org/10.1080/19463138.2020.1762197.

Villaça, F. (2015). O território e a dominação social. Margem Esquerda Ensaios Marxistas, São Paulo, 24, 31-36.

Rodolfo B. Moura
 Engenheiro ambiental e urbano (UFABC), mestre e doutorando em Planejamento e Gestão do Território (UFABC), pesquisador do LabGRis-UFABC e consultor do SIADES.
Rodolfo B. Moura
 Engenheiro ambiental e urbano (UFABC), mestre e doutorando em Planejamento e Gestão do Território (UFABC), pesquisador do LabGRis-UFABC e consultor do SIADES


Fernando R. Nogueira
 Geólogo (USP), doutor em Geociências e Meio Ambiente (UNESP), professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território (UFABC) e coordenador do Laboratório de Gestão de Risco (LabGRis) da UFABC.

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